[CRITICA] – GODZILLA (2014)

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Em algum momento em algum lugar da Africa um dos primeiros homens se deparou com um monstro que ele não conseguia compreender. Era uma criatura viva, isso era certo, mas não era como nenhum outro homem, tigre ou gnu que ele já havia visto. Era algo… maior.

Embora ele não conseguisse compreender o que era um elefante mesmo assim ele foi inundado pelo horror inenarrável da compreensão de que existem forças tão infinitamente poderosas que estão muito além do nosso controle. Esta foi a primeira história de Kaiju (monstros gigantes) contada.

Em 1954, quando as salas de cinema no Japão se escureceram e os créditos de abertura rolavam apenas ao som do taiko (o tambor grave do folclore japonês) e os urros guturais de uma criatura que não era mostrada, a humanidade se lembrou. Naquele dia … A humanidade se lembrou . O terror que é ser governado por eles. A humilhação que é viver como pássaros em uma gaiola … Apenas esperando para serem esmagados !”. Esta foi a estréia de Godzilla, em 1954

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“Eles”, no caso, são os monstros gigantes. Que nada mais são uma metáfora para as forças opressivas que estão muito além do nosso controle como a fúria dos deuses, as forças da natureza, a guerra, e os dinossauros anfíbios nucleares que estão sempre prestes a nos esmagar como se não fossemos nada. Porque não somos nada. Esse é o poder do misto de admiração e horror que a personificação que essas bestas causam sobre nós.

Entretanto transformar isso em um filme não é uma tarefa fácil e algumas regras devem ser observadas. Uma das regras mais importantes para se fazer um bom filme do Godzilla é que o Godzilla não pode ser o personagem principal.

“O que? Mas tu bebeste, foi?”

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Não é isso. O Godzilla não pode ser o personagem principal porque ele não é um personagem, ele é um conceito. Você pode fazer um filme SOBRE a chuva, um meteoro ou o pudim de ontem, mas não um filme como essas coisas como PROTAGONISTAS (a menos que você seja um gênio do cinema artístico, nesse caso pegue minha idéia do pudim por favor).

Pense nos grandes filmes do Godzilla: o original “Godzilla” de 1954 e Mothra vs Godzilla. O que eles tem em comum? Eles já seriam grandes filmes mesmo SEM o Godzilla e esse é o segredo onde tantos e tantos filmes do próprio Rei dos Monstros falharam.

Você não pode pegar uma coisa, por mais legal que ela seja isoladamente, e esperar que isso sozinho faça um grande filme. Você só vai ter outro Sharknado. Esse é o segredo e Gareth Edwards entendeu isso. Ah cara, como ele entendeu…

godzilla-criticacapaGojira dando um rolê com seus amigos. soquen~

O primeiro arco do filme mostra o drama humano através da atuação genial de Bryan Cranston. Deus, deem um Oscar para esse cara de uma vez. Sua participação no filme é curta, mas ele consegue consolidar os melhores momentos de Breaking Bad enquanto desenvolve os laços emocionais e os padrões que guiarão o filme.

Na verdade a atuação do Bryan é tão incrível que faz todos parecerem piores do que eles são, o que não é verdade. Não é que Aaron Taylor-Johnson seja um protagonista ruim, mas perto do Walter White gastando a película qualquer “bom” fica parecendo “medíocre”.

Entretanto sua participação no filme é curta e isso causa espanto – ele deveria ser a grande estrela da coisa toda, não? Mas após o choque inicial eu entendi o que o diretor estava me dizendo:

“- O senhor Cranston é realmente brilhante, não? É uma sorte poder contar com ele no nosso elenco, mas… você não veio aqui assistir Breaking Badzilla, veio? Não, está na hora de abrir espaço para a real estrela do filme!”

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É estranho mas essa se mostrou uma decisão muito acertada.

E então o filme começa a construir a expectativa para o grande momento… sem mostrar os monstros. São cenas rápidas, frustrantemente curtas e usualmente mostradas indiretamente tipo quando Godzilla luta com o monstro no aeroporto a luta é rapidamente vista através de uma TV que está ligada enquanto outro personagem está fazendo outra coisa.

Quando o Godzilla começa a se pegar com os dois outros monstros em Los Angeles na batalha final a cena é apresentada através do angulo de um soldado que estava indo fazer outra coisa. Obviamente ele para afim de assistir a cena (caralho são dois monstros se pegando!), e nós vemos alguns segundos com ele, mas então ele é puxado para continuar sua missão.

É o diretor tendo o seu momento professor Carvalho e dizendo “Legal, né? Mas ainda está na hora!”. Você tenta argumentar “não, espera, só mais um pouquinho!” mas ele não cede a tentação. E essa técnica de criar ansiedade, que é marca do Edwards, é feita muito bem e funciona melhor ainda.

E por isso… eu vou deixar a parte sobre o Godzilla em si para o final. Nada mais justo, não?

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Godzilla originalmente foi um filme sobre simbolismos e mensagens. E o filme de 2014 é muito fiel a isso em cair no erro de repetir as mensagens de 1954: a realidade outra é hoje, os assuntos urgentes da humanidade outra é hoje.

A mensagem mais palpável do filme é que o homem está tentando domesticar a natureza a ferro e fogo e dessa batalha só um vai acabar se machucando. E não será o Planeta (como já dizia George Carlin).

Ken Watanabe é o cientista pé no chão (todo filme decente do Godzilla tem um) que enxerga isso e tenta aconselhar os humanos – talvez uma das falhas do filme é ele ter sido sutil de menos nesse ponto – de que nós temos que trabalhar com as forças do mundo e não tentar passar o carro por cima de tudo. Godzilla, no caso, é a força de equilíbrio da natureza. E convenhamos, ele é mais do que perfeito para ser a personificação de “passar a régua” da Terra.

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Esta é apenas a mensagem principal, existem várias outras subcamadas de mensagens e simbolismos. A repetição de padrões, o perigo nuclear (que hoje é um perigo completamente diferente do perigo de 1954) e várias outras coisas.

Isso sem contar as inúmeras referencias a franquia que quase me fizeram chorar. Logo no começo quando o filho do Walter White é chamado na escola, na sala dele tem um cartaz de biologia com uma mariposa que é a Mothra, o uso de eletricidade para parar os kaiju (algo que acontece MUITO nos filmes), quanto os MUTO derrubam ele um deles sobe em cima do Godzilla e se ergue no ar com as asas para pisar na cabeça dele, exatamente o movimento que o King Ghidorah fez. É totalmente orgânico dentro da cena, mas quem é fã se arrepia.

Alem disso o filme tem cenas artisticamente lindas e muito visualmente impactantes. Como a cena em que começam a “chover” caças ou a icônica cena do trailer com os paraquedistas de sinalizadores vermelhos, a cena do distrito abandonado ou ainda a corrida contra o tempo com a bomba nuclear de contador analógico. Tudo isso não é só bonito visualmente, é muito bem amarrado dentro da trama e enriquece a experiencia.

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Claro, quando se entra numa sala de cinema para ver Godzilla não se espera ver contemplação e resolução de problemas existencialistas, algo que Gareth Edwards não tenta fazer. Como filme mesmo, monstros a parte, Godzilla é cinema do bom.

O filme não é um filme livre de falhas, claro, ele vive daquelas coincidências no roteiro que fazem a história seguir em frente e um grau alto de suspensão de descrença em certos pontos mas você tem que estar muito de mal com a vida para se agarrar a isso.

E agora vamos finalmente falar dos monstros!

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Na construção dos monstros Gareth pareceu aprendeu pacas com Spielberg e ainda mais com o Godzilla de 1998 – como não fazer as coisas, claro. Não é a toa que a melhor comparação que se pode fazer a esse filme é justamente Jurassic Park. Não por acaso existe até uma cena de referencia em homenagem a Jurassic Park.

Os monstros são mostrados com o mesmo maravilhamento que Spielberg apresentou os seus dinossauros. Se o filme de 1998 errou ao tentar imitar Jurassic Park literalmente (o Godzilla não é um velociraptor, caralho!), aqui ele acertou em pegar o “espírito da coisa”. O timing entre escalar as proporções épicas da aventura e o drama humano no meio do fogo cruzado também é muito bem inspirado.

E falando em monstros, então… Godzilla. Ah cara… depois de levar dois terços do filme para finalmente revelar o personagem titulo, assim que o filme terminou tudo que eu consegui fazer foi apontar para a tela e dizer “É isso. É isso.”. Porque sinceramente, ISSO é o Godzilla que queríamos ver. Que espetáculo.

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Ele tem o mesmo conceito visual mas essa nova versão parece muito mais pré-histórica do que o monstro dos filmes japoneses. E ele se move (principalmente a noção de peso dele) e luta muito parecido com um urso. Um urso de 50 metros no corpo de um tiranossauro mutante. Eu realmente preciso explicar o quão repleto de vitória é isso?

E cara, que luta. Certamente uma das melhores coisas que eu já vi no cinema, na minha vida. Quando eu lembrar das escamas dele energizando com radiação daqui a 50 anos vou me arrepiar como quando lembro a primeira vez que vi o tiranossauro urrando no final de Jurassic Park. A ação, a simbiose com as ações dos humanos (que é muito difícil conseguir colocar junto sem cagar a cena ou o personagem, mas aqui eles acertaram bonitasso) foi tudo feito muito, muito certo mesmo.

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Eu me senti quando assisti Rocky, eu fiquei tão absorvido pela cena que quando ele cai eu só conseguia pensar “vamo lá G, levanta, não pode acabar assim!”, é esse nível de suspensão da descrença que o épico proporciona.

Porque é isso que um filme do Godzilla deve ser. Simplesmente isso.
Porque Godzilla não é um herói ou um vilão, ele é apenas o Rei dos Monstros!

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4 comentários sobre “[CRITICA] – GODZILLA (2014)

    • Verdade seja dita, essa semana eu assisti O Incrível Homem Aranha 2 e metade das frases do trailer não tinha no filme. Acho que é uma nova tendencia em Hollywood, fazer trailers que não correspondem ao produto final – legalmente eles não são obrigados e os videogames fazem isso a anos. Admiravel mundo novo :/

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