[QUADRINHOS] Alex + Ada – Um Drama Sci-Fi Que Fala Muito Sobre Nossos Tempos

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A Premissa

Semelhante a Ela (2013), premiado filme romântico/dramático com toques de sci-fi dirigido por Spike Jonze, Alex + Ada é um drama com um background de ficção científica que analisa o papel que seres com inteligência artificial poderão desempenhar em nossas vidas. A série em quadrinhos extrapola o fato de que há cientistas empenhados em criar robôs cada vez mais parecidos com seres humanos. No mundo imaginado pela dupla Sarah Vaughn e Jonathan Luna isto tornou-se uma realidade. Mas até que ponto uma máquina simulando um ser humano pode satisfazer nossa carência por calor humano? Um androide que reproduz fielmente as principais funções de um ser humano é capaz de oferecer carinho e amor? Estas e outras questões são abordadas por esta série que vem se revelando mais fascinante a cada nova edição.

O Casal

Alex é o protagonista, um homem claramente insatisfeito com o rumo que sua vida tomou depois que seu relacionamento anterior terminou. A solidão e a melancolia dominaram seu dia-a-dia.

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O traço limpo e direto de Jonathan Luna ressalta o tédio e a depressão causados pela monótona rotina diária de Alex através da repetição de quadros, recurso narrativo que o desenhista também usa para destacar a importância de um longo diálogo. Além disto, Luna capta muito bem a expressão de alegria simulada que alguém deprimido tenta transmitir sem muito sucesso, especialmente na sequência que mostra a festa de aniversário de Alex na primeira edição. E seus desenhos também transmitem uma serenidade que torna a leitura agradável e relaxante.

Contrabalançando o deprimido e apático protagonista temos sua avó, uma moderninha senhora de meia idade, que, ao contrário do neto, rendeu-se à nova tecnologia dos androides da linha Tanaka X5. É ela que tenta convencê-lo a comprar um para fazer-lhe companhia, ideia que Alex rejeita, mas que não a impede de dar-lhe uma androide feminina de presente de aniversário. É assim que Ada entra na vida de Alex.

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Inicialmente Alex resiste à tentação de ficar com Ada, reação que pode ser interpretada como um medo de parecer um perdedor, e de ferir seu orgulho por desistir de ter uma relação com alguém “de verdade.” Mas Ada é tão gentil, prestativa e carismática, que fica difícil mesmo rejeitá-la.

A edição 2 da série trabalha muito bem o processo de adaptação de Alex à presença de Ada, e suas peculiaridades. Por exemplo, ela seguir à risca o pedido dele de “não sair do lugar”, ficando de pé na frente da porta da sala de visitas da hora que ele sai pra trabalhar até a hora que ele volta, e também a necessidade de alimentá-la para recarregar sua fonte de energia (à base de digestão de alimentos, como a nossa, o que mostra o quanto os criadores dos androides tiveram a preocupação de torná-los os mais parecidos com seres humanos para que a “ilusão” fosse a mais convincente possível para seus proprietários).

Também é muito bem contrastada pela 2ª edição a mudança provocada por Ada na vida de Alex, cuja rotina é mostrada em detalhes na 1ª edição, servindo ao propósito de salientar o quanto Ada afetou de sua solidão e monotonia.

É curioso como a série não aborda a tensão sexual latente logo no início, e notável como ela evita o caminho da comédia fácil e do puro escracho, investindo mais no drama melancólico resultante de um cenário de ficção científica muito bem construído.

O Mundo

Talvez mais fascinante que os personagens seja o mundo de Alex + Ada imaginado por Vaughn e Luna. Os autores apresentam pacientemente os conceitos que o definem, começando pela tecnologia Prime Wave, que consiste num chip implantado subcutaneamente nas têmporas das pessoas, que dá ao usuário uma telepatia artificial que o permite “conversar” com seus eletrodomésticos via ondas cerebrais. Ela também funciona como um telefone celular high tech, no qual a pessoa não precisa usar a boca pra falar, mas simplesmente pensar no que quer dizer, deixando por conta da Prime Wave converter seus pensamentos numa versão digital de sua voz.

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E pequenos detalhes como o de que a Prime Wave não consegue reproduzir a voz do usuário fielmente, tornando-a artificial e robótica, dão uma verossimilhança a mais para o mundo da série. Assim como o discurso padrão de Ada, no início da edição 2, explicando as diretrizes que ela deve seguir, uma variante melhor elaborada das famosas leis da robótica criadas por Isaac Asimov; e a rotina seguida por um funcionário da Tanaka antes de receber a devolução de Ada. Sinal de que houve muito cuidado dos autores na elaboração das regras e idiossincrasias daquele mundo.

Outro conceito ótimo, executado com uma simplicidade muito elegante e criativa, é a representação visual da internet acessada por interface neural. A dupla criativa explora bem os conceitos possíveis neste ambiente, como avatares, fóruns e salas privadas de bate-papo, imaginados num ambiente de realidade virtual.

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Apesar de todas as suas facilidades e maravilhas tecnológicas, o mundo de Alex e Ada vive sob a sombra de uma tragédia: o Massacre da Nexaware, episódio que marcou o despertar violento da senciência da inteligência artificial de androides da linha P-011, que completa um ano quando a série começa. Há uma comoção em torno do incidente, que vez ou outra se manifesta em linchamentos públicos de androides, histeria e paranoia, pois muitos deles podem se passar por humanos se não tiverem as logomarcas da empresa fabricante impressas em seu braço. Portanto, num mundo onde qualquer um pode ter um(a) amante androide, o medo de sua I.A. rebelar-se é algo latente. Isto é abordado pela série no momento em que Alex acessa várias matérias sobre protestos em todo o país contra e a favor dos robôs, da humanização e dos direitos deles. É revelado que existe um grupo que defende a causa dos Direitos dos Robôs, e o fim do Ato de Restrições, que impede os robôs de terem opinião e consciência próprias.

Claro que isto gerou preconceito contra pessoas que têm amantes androides, semelhante ao que já ocorreu em maior escala com relações inter-raciais e entre pessoas de idades muito diferentes, e hoje em dia contra relações homossexuais. Esta é uma das questões abordadas pela série.

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O caso da androide senciente morta num concerto de rock, tragédia rapidamente noticiada na edição 3, inicia uma série de discussões em torno da possibilidade de tornar um androide um ser senciente, e todos os riscos provenientes disto em um mundo no qual este processo é ilegal. Fica subentendido que há alguém apagando as marcas de identificação das empresas fabricantes de androides sencientes infiltrados na sociedade, e instilando uma onda de paranoia. Além disto, o caso também aborda as questões legais envolvidas no assassinato de um ser artificial capaz de sentir e agir por conta própria, sem seguir diretrizes pré-programadas.

A série também discute sobre a liberdade das máquinas terem seu potencial de senciência desperto, desbloqueado, uma restrição que nós, como seus criadores, impomos a elas, torno-as escravos artificiais. Talvez este seja um dos motivos que levaram os androides causadores do Massacre da Nexaware a matarem seres humanos. Eles queriam se libertar.

As questões relativas à segurança em torno da posse de um androide, em face do massacre citado no início da série, voltam à tona quando os amigos de Alex descobrem sobre Ada na edição 3. Na mesma conversa que eles têm com Alex é rapidamente mencionada a participação de robôs em campos de batalha, incluindo alguns programados para matar. Teji, um dos amigos de Alex, perdeu a perna numa guerra, e teve sua vida salva por um robô. Nota-se, com isto, uma história mais antiga da convivência entre humanos e robôs, que é sutilmente apresentada sem soar invasiva ou dependente de flashbacks que abalem o tom cotidiano e urbano da série.

Outra informação que é sutilmente revelada é que a tecnologia usada para criar os androides mais avançados de aparência humana é japonesa. Podemos interpretar isto como um comentário dos autores sobre a personalidade antissocial e reprimida dos japoneses, povo que a cada dia confia mais em seres artificiais ou fictícios para suprirem suas carências e desejos (o que já gerou casos curiosos e absurdos, como o de um japonês que casou-se com uma personagem de um game do Nintendo DS).

E num mundo em que androides podem se passar por humanos, mesmo que ilegalmente, “quem é humano?” e “quem é androide?” são dúvidas que surgem com frequência. Por exemplo, na 3ª edição Alex pergunta a um atendente de telemarketing se ele é mesmo humano, devido à artificialidade da voz digital gerada pela tecnologia Prime Wave. A pergunta de Alex também funciona como uma crítica à “robotização” de profissionais desta área em nosso mundo.

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A série me deixou curioso pra saber se os autores explorarão mais a fundo todas as ramificações do mundo apresentado. Não é difícil imaginar que nele já exista um mercado negro de prostituição, e até mesmo de espionagem, com androides se infiltrando em corporações. Mas isto não parece ser o foco inicial da série.

Em suma, Alex + Ada é uma HQ que tem muito a crescer, e que vêm dando sinais de que se tornará ainda mais pertinente para nossos tempos. As últimas edições prometeram abordar mais detalhadamente o processo de conscientização de uma máquina que tem sua senciência ativada, o que pode tornar a série ainda mais intrigante. Sem dúvidas um quadrinho que compensa muito a leitura, como exercício imaginativo, e como análise de um cenário futuro a cada dia mais possível de realizar-se.


ALEX + ADA #1 a 4
[Image Comics, 27 páginas por edição / 2013-2014]
Roteiros de Jonathan Luna e Sarah Vaughn, arte de Jonathan Luna

Nota: 9,0

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