[QUADRINHOS] Entrevista: Jeff Lemire fala sobre “The Black Hammer”, série dramática estrelada por super-heróis

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Em março de 2015, Jeff Lemire (Homem-Animal, Trillium) lançará um quadrinho de super-heróis — mas não do tipo com que os leitores estão acostumados. A nova série autoral de Lemire e do artista Dean Ormston, que será publicada pela Dark Horse Comics, seguirá cinco dos maiores heróis de eras perdidas quando eles se encontram presos numa cidade misteriosa, incapazes de sair dela após uma batalha cósmica conhecida apenas como O Evento. A série começa dez anos depois que estes cinco heróis retirados de suas respectivas continuidades chegam à Fazenda Black Hammer (Martelo Negro, em tradução livre) e o que ocorre daí pra frente promete uma mistura entre os trabalhos independentes de Lemire (sendo o mais recente deles a excelente graphic novel The Underwater Welder) e uma desconstrução e reflexão sobre as técnicas modernas de se contar histórias de super-heróis e os quadrinhos do gênero como um todo.

Apesar de ser uma série nova, Lemire imaginou seu conceito em 2007 — bem antes de sua temporada como escritor da DC Comics. Agora que seu contrato de exclusividade com a editora terminou, Lemire está pronto para trabalhar em The Black Hammer com Ormston — e há muito potencial nos insights que o autor teve sobre o gênero.

O site CBR falou com Lemire sobre The Black Hammer, sobre os conceitos por trás da série, o elenco de personagens saídos de diferentes partes da história dos quadrinhos, o desenvolvimento de sua mitologia, e sobre como seu período na DC Comics influenciou sua reaproximação da história sete anos depois de sua concepção, entre outros assuntos.

CBR: Jeff, de onde veio o conceito por trás de The Black Hammer? Ela tem alguma relação com seu longo período trabalhando com quadrinhos de super-heróis da DC?

Jeff Lemire: Ironicamente, nem um pouco. O engraçado sobre o projeto é que ele tem uma origem estranha — Eu desenvolvi completamente Black Hammer muitos anos antes de começar a trabalhar para a DC ou a Vertigo. Eu tinha acabado de terminar Essex County para a Tolp Shelf e estava brincando com algumas idéias diferentes num caderno de rascunhos e bloco de notas sobre qual projeto viria depois de Essex County. Isto foi bem antes de Sweet Tooth e certamente antes de eu sequer fazer um quadrinho de super-heróis pra DC. Na verdade esta é minha tentativa de fazer um quadrinho de super-heróis da maneira como eu faço meus trabalhos independentes — um drama focado nos personagens e o fato de que eles são super-heróis cercados de elementos fantásticos e mitológicos é secundário ao foco nos personagens. Exploramos a emoção humana com estes personagens e usamos o lance super-heroico mais como uma metáfora para algo que dá andamento à trama.

Esta é uma forma longa e elaborada de dizer, “Não, ela não foi influenciada pela DC. ” [Risos]

Na verdade eu mesmo ia desenhá-la, e fazê-la como uma graphic novel em 2007 ou 2008. Apresentei o projeto pra Dark Horse na época, que foi quando comecei a trabalhar pra Vertigo e fiz The Nobody e Sweet Tooth

Baseado no que você disse, ela esteve em desenvolvimento para a Dark Horse por seis ou sete anos.

Bom, eu a apresentei e eles gostaram — isto foi em 2008. Mas, como eu disse, eu estava trabalhando para a Vertigo e depois me tornei exclusivo da DC, por isto mantive contato com Brendan Wright, o editor, e disse que um dia eu poderia fazê-la. Eu não diria que estava em desenvolvimento, mas que era algo de que estavam cientes e eu sabia que havia interesse deles. Minha exclusividade com a DC terminou em junho, então é uma ótima época para eu começar a desenvolvê-la de novo.

Vamos falar de alguns dos personagens. Conte-nos um pouco sobre os heróis presos na Fazenda Black Hammer — parece que eles têm ligações com a Era de Ouro dos quadrinhos mais do que com qualquer outra era.

Bem, o conceito básico da série é que existem seis super-heróis que — por razões que eles não entendem completamente — um dia, depois de um evento catastrófico em seus universos de super-heróis, acordam numa fazenda chamada Black Hammer que pertence a uma cidadezinha. Eles não sabem porque estão lá, nem o que é aquele lugar — tudo que eles sabem é que não podem sair dele. A história começa dez anos depois de eles chegarem lá. Eles se integraram à vida da cidadezinha, fizeram o possível para sobreviverem e construírem uma vida pra si mesmos, tornando-se uma família improvisada bizarra que vive junta na fazenda — todos são super-heróis vindos de diversas partes da história dos quadrinhos.

Dois dos personagens são da Era de Ouro dos quadrinhos, alguns da Era de Prata, e alguns da era mais moderna, ou super-heróis da Era de Bronze. Cada um veio de um ponto diferente da história dos quadrinhos e da história de seus universos de super-heróis. Os dois personagens da Era de Ouro são Abraham Slan, que é o patriarca — um tipo de combatente do crime pulp, um combatente fantasiado original; e Golden Gail — que tem várias semelhanças com personagens como Miracleman ou Shazam, que se transformam. Ela foi meio que a síntese dos quadrinhos da Era de Ouro.

Indo para a Era de Prata, temos um personagem clássico de mistérios e aventuras espaciais chamado Colonel Weird (Coronel Estranho, em tradução livre), que enlouqueceu nos anos ’50. Não quero falar muito sobre ele porque há vários mistérios em torno dele. Meu personagem favorito é o Barbalien, que é uma fusão estranha entre o Caçador de Marte e Conan o Bárbaro — ele é bem divertido. 

Madame Dragonfly (Madame Libélula) é a síntese de todos os quadrinhos de horror das décadas de ’70 e ’80. Ela é uma combinação da Madame Xanadu, Abby Arcane e do Doutor Estranho.

Parece um elenco bem variado.

Sim, e não é um elenco muito grande. Tem apenas cinco ou seis deles. Eles saíram de uma enorme mitologia porque — pelo menos em teoria — todos vieram de uma determinada era da história dos quadrinhos da qual posso partir e criar seus universos de origem. A série irá intercalar dramas intimistas dos personagens na fazenda com flashbacks de seus dias como combatentes do crime. Desta forma daremos motivações a eles. Assim, sem dúvida há um rico legado que estou criando do qual partirei.

Dez anos é bastante tempo para estar fora de seu universo. Como este isolamento na fazenda afetará os personagens e como eles interagem um com o outro?

Há um punhado de mistérios sobre o que aconteceu nestes dez anos. Temos uma noção de que o relacionamento deles uns com os outros agora, dez anos depois, não é como era quando eles chegaram lá. Alguns se tornaram mais próximos do que eram, outros não se falam mais por motivos que serão insinuados e revelados. Uma parte importante é que, enquanto eles estão presos à fazenda que faz parte de uma cidadezinha, a cidade é cheia de pessoas aparentemente normais que vêm e vão e desconhecem completamente o fato de que eles são super-heróis. Alguns deles se relacionam com as pessoas da cidade, e mantém o aspecto super-heroico em segredo de várias maneiras. Barbalien, por exemplo, é um marciano de 2,13m de altura, mas assim como o Caçador de Marte, ele pode mudar de forma. Golden Gail ainda está presa ao corpo super-poderoso de 8 anos de idade, enquanto é na verdade uma mulher de 56 anos que não pode voltar à sua forma real. Ela tem que fingir ser uma garotinha, embora seja mais velha por dentro. Há todas estas dinâmicas estranhas acontecendo.

Daí, existem outros personagem como a Madame Dragonfly, que não interage com os habitantes da cidade — ou com o resto da família de super-heróis — de jeito nenhum. Ela é completamente reclusa e sobrevive por conta própria na periferia da fazenda na Cabana dos Horrores. Ela é um tipo de homenagem à Casa dos Mistérios ou à Casa dos Segredos (da Vertigo). É uma cabana de madeira cheia de mistérios ocultos onde ela vive. Cada um deles encontrou seu lugar na cidade. De todos eles Abraham Slam é o único que não quer partir. Este é o sonho de vida que ele sempre quis realizar. Ele tem a fazenda, tem o relacionamento com uma mulher da cidade — é realmente a vida tranquila e perfeita que ele sempre quis. Talvez os outros guardem rancor dele porque eles não podem ter isto devido à estranheza [de suas aparências]. Alguns deles são estranhos demais pra ter uma vida normal na cidade, e precisam ficar escondidos a maior parte do tempo.

Sem dúvida há muita riqueza a ser explorada com estes personagens.

A premissa de heróis que foram “extraídos da continuidade” parece a oportunidade perfeita pra contar histórias, mas também é a chance de fazer comentários a respeito de como histórias de super-heróis são normalmente contadas. Como The Black Hammer investiga o DNA das histórias de super-heróis?

Há muito mistério sobre o motivo porque estão lá, o que aconteceu com o universo deles desde que partiram e coisas desse tipo. Como você disse, é uma oportunidade para comentar sobre a história dos quadrinhos de super-heróis, sobre o estado atual destes quadrinhos — com o qual estou familiarizado, obviamente, por ter trabalhado com muitos deles recentemente. Mas não quero me aprofundar nisto porque muito disto tem relação com o mistério principal da trama e é revelado durante os dois primeiros arcos. Não quero estragar surpresas, mas isto é algo com que eu realmente me preocupei — não apenas em contar uma história menor, e focada nos personagens, mas também em comentar sobre a história dos quadrinhos de super-heróis e sobre o estado destes quadrinhos com estes personagens. Todos eles são cifras e pontos de entrada perfeitos pra eu fazer isto. É divertido, mas também é uma oportunidade única para alguém que trabalhou com quadrinhos independentes e mainstream misturá-los e criar algo novo.

Obviamente você tem muita experiência com quadrinhos de super-heróis, conforme mencionou. Como seu período trabalhando pra DC e tendo se destacado por isto — escrevendo Guerra da Trindade com Geoff Johns, e lançando Justice League United — mudou seu plano original para The Black Hammer?

Esta é uma daquelas coisas das quais, quando você está perto, não pode realmente comentar a respeito até você se distanciar dela. Só agora estou me distanciando de algumas dessas coisas. Não sei como isto afetará Black Hammer. Sei que agora eu estou muito interessado em eventualmente usar estes personagens e suas histórias para comentar sobre o estado atual dos quadrinhos de super-heróis e dos quadrinhos mainstream. Não tenho certeza se estava interessado nisto no conceito inicial da série. Não sei como responder esta pergunta, mesmo, mas é algo que está em processamento, e os personagens desta história são uma ótima forma de processar minhas experiências e usá-las para a história.

Personagens vindos de diferentes eras da história dos quadrinhos é um conceito intrigante, e é claro que você tem muito amor pela história dos quadrinhos. Além disto, você é bem familiarizado com personagens antigos, seja atualizando-os para a era moderna ou rejeitando-os.

[Risos] Sim.

Supondo que os personagens de The Black Hammer voltem para o mundo de onde vieram…

[Risos] Você está se adiantando um pouco.

Como personagens assim ajustariam suas vidas depois de tanto tempo longe de casa?

Esta será uma parte importante da trama, obviamente, e vou parar por aqui. Na minha cabeça, eles partiram do universo de super-heróis ao qual pertencem por volta dos anos ’80. Este foi o ápice dos quadrinhos de super-heróis, o clímax. Tivemos O Cavaleiro das Trevas, Watchmen, Crise nas Infinitas Terras — todos estes quadrinhos seminais de super-heróis que, de várias formas, ainda não foram superados. Pra mim, foi daí que eles partiram. Passaram-se 30 anos de história dos quadrinhos desde que eles estiveram fora. Se e quando eles voltarem para seu universo de origem, ele estará bem diferente — terão que aprender a interagir com ele, a mudarem ou “recomeçarem” para se integrar a ele, isto tudo é parte da história que planejei.

Madame Dragonfly (desenho de Jeff Lemire)

Madame Dragonfly (desenho de Jeff Lemire)

Apesar de ser um artista talentoso, você não desenhará esta série em particular. Dean Ormston, que fez a série Lúcifer (Vertigo), fará a arte. O que faz o estilo de Dean combinar com a história que você planejou?

Dean é um artista que realmente admiro há algum tempo. Lembro de quando ele estava fazendo Books of Magic: Life During Wartime para a Vertigo, que na minha cabeça foi uma série bem subestimada. Si Spurrier a escreveu e Dean desenhou. Foi fantástico. Lembro de ter gostado do trabalho dele e mantido contato. Nos encontramos uns anos atrás no Thought Bubble, que é um festival de quadrinhos independentes do Reino Unido. Nos demos bem, comprei algumas artes originais dele, e isto foi quando eu comecei a fazer Homem-Animal. Conversamos sobre como seria ótimo se ele fizesse algumas páginas para Homem-Animal, o que nunca aconteceu. Mas o que senti na época, e o que sinto a respeito de Black Hammer, é que ele tem um estilo completamente único. Ver super-heróis tradicionais filtrados pelo estilo dele é criar algo completamente único, que penso ser o que houve de melhor no Homem-Animal. Com Black Hammer, vê-lo interpretar arquétipos de super-heróis clássicos através de um estilo sombrio e bizarro realmente criou algo único.

Além disto, ele é capaz de fazer dramas intimistas e emocionais e dar vida a estas pessoas. Trabalhar com Dean é algo que esperei muito tempo pra fazer, e estou mesmo empolgado com o trabalho dele. Acho que pessoas não acostumadas com o estilo e o trabalho dele irão se surpreender. Ele é fantástico.

Pra encerrar, agora que seu contrato de exclusividade com a DC terminou, os leitores que são fãs de seu trabalho autoral podem esperar mais trabalhos seus em outras editoras?

Podem. Haverá vários anúncios nos próximos meses, e eu também diria que — Dean e eu conversamos muito sobre a possibilidade de, entre os arcos maiores de Black Hammer, se ele precisar de um descanso, eu desenhar uma ou outra edição, ou fazer capas variantes — estar envolvido com o lado artístico de Black Hammer. Estou trabalhando numa graphic novel para a Simon and Schuster. Quando terminá-la, vou tentar lançar uma nova série autoral que irei escrever e desenhar. Ainda não sei com qual editora trabalharei, mas vocês saberão de novos projetos com os quais eu me envolver — autorais ou não — nas próximas semanas e meses.

The Black Hammer começa a sair em março de 2015.

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