[QUADRINHOS] Entrevista: Scott Snyder fala sobre Batman, Frank Miller e Depressão

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(entrevista original cedida a Josie Campbell, traduzida e adaptada por Rodrigo F. S. Souza)

A saga Ano Zero, escrita por Scott Snyder e desenhada por Greg Capullo, vem contando uma nova origem para o Batman dentro da continuidade dos Novos 52, e está marcada para terminar agora em julho, encerrando uma batalha entre o Batman e o Charada que já dura um ano.

Iniciada há pouco mais de um ano atrás, a história em três arcos levou os fãs do Batman de volta a seus primeiros dias, quando ele retornou a Gotham, e introduziu o Capuz Vermelho e o Dr. Morte aos Novos 52; a ligação tangencial de Jim Gordon ao Beco do Crime; e estabeleceu a dominação apocalíptica do Charada sobre a cidade. O capítulo final da saga sairá em Batman #33, terá o dobro de páginas, e depois dele Snyder e Capullo tirarão uma pequena folga, com a edição 34 da série apresentando uma história fechada, e a edição de setembro sendo substituída pela edição especial do Batman ligada ao evento Futures End. Assim, o novo arco em 6 edições só começará em outubro, em Batman #35.

Com o final bem próximo, Snyder falou ao site CBR sobre suas ligações pessoais com a história de origem que durou um ano, incluindo sua luta contra a depressão, a inspiração que tirou da Nova York de sua infância, dominada pela violência, e o que vem a seguir — não apenas para a série Batman, mas também para toda a franquia Batman depois de Ano Zero, incluindo novos detalhes sobre as séries Arkham Manor e Gotham Academy, cujo lançamento foi anunciado semana passada.

CBR: Este mês chegaremos à última edição de Ano Zero, o que é um grande feito —

Scott Snyder: Sim!

Capa de Batman #33, capítulo final de Ano Zero (desenho de Greg Capullo)

Capa de Batman #33, capítulo final de Ano Zero (desenho de Greg Capullo)

Enquanto escrevia esta saga de um ano, você também trabalhou na série semanal Batman Eternal [leia uma resenha das 5 primeiras edições aqui]. Neste momento você se sente aliviado com o final de Ano Zero, ou com a série semanal você sente isto mais como o final de outro capítulo?

Acho que é um pouco de ambos. Pra mim, Ano Zero é inquestionavelmente o meu trabalho favorito. Sinto orgulho de Espelho Sombrio, Corte das Corujas e Morte da Família, mas fazer o Batman de uma forma que reconfigura sua origem pra mim — como um escritor, isto é pessoal, assim como a tentativa de modernizar Gotham City. Não há nada mais emocionante e honroso que isto. Sou muito, muito grato aos fãs e à DC por me deixarem fazer isto, e acho que a edição 33 de Ano Zero é a melhor de todo o nosso arco. Sei que digo que “é minha edição favorita e a melhor” com frequência. Eu assumo estas declarações! [Risos] Eu realmente acreditei que aquelas que pensei serem as melhores eram as melhores, e acho que as pessoas entenderão na edição 33, sem entregar muita coisa, porque fizemos toda essa saga, e do que ela trata. É meu final favorito de todas as edições que já fiz pra série Batman. Pra mim, esta edição é um tipo de tese, um agradecimento a vocês e uma grande conclusão, enorme, bombástica e cheia de ação, tudo numa só edição. Estou realmente muito feliz.

No fim das contas, Ano Zero foi sobre eu ter crescido em Nova York nos anos ’80, quando li Ano Um, que me influenciou intensamente. Ela botou Batman na cidade que eu conhecia, e isto foi totalmente chocante e diferente na época. Não sei se isto se perdeu pros leitores atuais, porque eles já estão acostumados a ver o Batman numa cidade reconhecível, ou que pelo menos se parece com uma cidade moderna. Mas aquela história, que o pôs numa cidade que se parecia com a Nova York daquela época, com prostitutas e gangues e grafite e drogas e todos os tipos de medos que encontramos quando somos crianças — onde não te deixavam ir ao Central Park, nem ao metrô a partir de determinadas horas — tudo isto tornou o Batman real pra mim.

Olhando pra cidade agora, tendo vivido nela até pouco tempo atrás, da infância até hoje, a ideia por trás de Ano Zero foi fazer a origem do Batman nos quadrinhos falar sobre os medos, esperanças e aspirações das pessoas de hoje, tanto da cidade quanto dos leitores em geral. Assim, no lugar de termos uma cidade infestada de decadência urbana e corrupção da máfia e de algumas coisas com as quais nos preocupávamos mais nos anos 70 e 80, a história foi sobre um cataclismo. Ela é sobre terrorismo, sobre o medo do fim dos tempos pela escassez de recursos, de super tempestades, de loucos saindo no meio do dia com uma metralhadora e todos os outros medos que temos atualmente. Ano Zero tentou incorporá-los e torná-los coisas que o Batman encara e enfrenta.

Frank Miller e Scott Snyder

Frank Miller e Scott Snyder

E ao mesmo tempo, com a edição 33 — eu vou parar de falar! [Gargalhadas] A última coisa que vou dizer é que, do outro lado da moeda, a edição 33 e a saga em geral foi um projeto muito pessoal. Umas semanas atrás eu tive a sorte de me encontrar com Frank Miller pela primeira vez, e isto foi uma enorme emoção pra mim. É uma das coisas que eu estava esperando que acontecesse e pedindo pra DC que acontecesse desde que entrei na editora! Quando conversamos ele foi muito amável e gentil comigo, e generoso com nossa história. Contei pra ele sobre o quanto Ano Um significa pra mim, e ele me disse que tem lido Ano Zero desde o início, e que ele podia dizer que ela é sobre coisas com as quais nos importamos pessoalmente — e disse que nós demos ao Batman um “baita corte de cabelo!” Se eu puder usar esta citação, vou morrer feliz! [Risos]

Esta edição é sobre modernizar as coisas — mas, por outro lado, é bastante pessoal. Para alguém que lutou contra a depressão e a ansiedade desde que era criança, o Batman sempre foi uma incrível figura inspiradora. Ele sempre foi meu herói favorito porque a lição que o Batman ensina e que o fez durar 75 anos, é o fato de que ele é apenas humano. Ele pega este evento traumático pelo qual ninguém realmente devia passar, ou que muitas pessoas não são capazes de superar, e o transforma no combustível para tornar-se o pináculo da realização humana, um herói que supera todos os outros. Nesta lição há uma inspiração que todos podemos encontrar, sabe? Então, a última edição de Ano Zero entrega e revela um dos maiores e mais sombrios segredos da luta do jovem Bruce Wayne contra o trauma da morte de seus pais, e fizemos algumas coisas que são radicalmente diferentes da versão anterior. Estou preparado para as pessoas se surpreenderem com o quão sombrio foi para Bruce, quando ele foi adolescente, lutar contra o estresse pós-traumático da morte de seus pais.

Partindo desta ideia, uma das coisas que achei interessante na edição 31 foi a charada do Batman, quando ele está falando sobre o garoto que era muito inteligente mas em quem ninguém prestava atenção. O Charada obviamente diz que [Batman] estava falando dele, mas pareceu que, pelo menos na primeira parte do discurso, o Batman estava falando de si mesmo, de Bruce Wayne, quando era garoto. De certa forma, o Charada e o Batman são aquele mesmo garoto que tomou caminhos diferentes?

Sim, isto mesmo. Na verdade, um dos meus pequenos arrependimentos com Ano Zero é que, uma das opções que discutimos originalmente era a de fazer histórias complementares durante toda a saga, mas por razões logísticas, de preço e coisas assim, ficou impossível fazê-las durante toda a saga. As histórias complementares do segundo e terceiro arcos seriam mais focadas no Charada. Eu queria muito traçar paralelos entre ambos, mas tornar o Charada misterioso e assustador por aparecer sem aviso. Torná-lo esta figura que não se explica, nem é simpática, é algo que fala de nossos medos sobre pessoas que surgem do nada, com ideologias muito violentas e estranhas, atacando a nós, a população e pessoas inocentes. Acredito que funcionou da forma como foi feita, mas é algo em que pensei quando estava escrevendo os personagens.

Vimos vários vilões aparecerem ao longo de sua temporada no título, mas depois do Charada dominar a cidade inteira, não posso imaginar como qualquer futuro vilão do Batman pode competir com isto — 

Capa de Batman #34 (desenho de Matteo Scalera)

Capa de Batman #34 (desenho de Matteo Scalera)

[Risos] Você terá que esperar pra ver! Há coisas piores reservadas pra toda a Gotham City! Nunca vou me cansar de torturar esta pobre cidade. A história que estamos fazendo pra depois de Ano Zero, que começa a sair em outubro, será a coisa mais física, bombástica e grandiosa que fizemos, com um elenco enorme e as reviravoltas mais loucas. Quero mantê-la em segredo o máximo que puder. Queremos surpreender as pessoas e fazê-las se divertir com ela pelo que ela é, mas definitivamente temos algumas coisas gigantes pra contar! [Risos] Temos muitas idéias!  Não passaríamos pelos 75 anos do Batman sem planejar algo realmente grande. Parte da ideia foi terminar Ano Zero na primeira metade do ano, e então, para o aniversário, usar a segunda metade do ano para uma história nos dias atuais, mostrando porque o Batman é o melhor super-herói de todos os tempos, e porque ele durou 75 anos. É nosso tributo ao Batman.

E para Gotham, que vai literalmente se incendiar na próxima edição. [Gargalhadas]

Foi mal! [Gargalhadas] Acho que todo o tipo de coisa catastrófica pode e deve ser feita com Gotham, mas no fim das contas é por isto que ela é uma ótima cidade. Sei lá, acho que uma coisa de que sinto falta em Nova York — eu e minha esposa vivemos há duas horas da cidade atualmente, mas eu cresci lá, assim como meus pais, por isto temos raízes profundas [com a cidade] — e meus avôs também. A coisa de que eu sempre gostei [em Nova York] e da qual mais sinto falta não são os restaurantes, a vida noturna, ou coisas do tipo. Elas são ótimas, mas, honestamente, sinto falta de fazer parte de uma comunidade. Uma coisa ótima de Nova York é que, você anda pelas ruas e vê pessoas com quem divide a cidade, e você pode não querer vê-las, nem dividir o espaço com pessoas no metrô, que falam, discutem e dizem coisas muito alto das quais você discorda politicamente. Mas você tem que dividir o espaço com elas, porque esta é a natureza da cidade. É um lugar público, e você acaba amando e aceitando os outros, mesmo que vocês não concordem sobre assuntos, tópicos e coisas do gênero. Essa diversidade é parte da energia e das coisas maravilhosas de Nova York.

Então faz parte da diversão de torturar Gotham ver as pessoas se unirem. Tendo vivido em Nova York durante o 11 de setembro, sei que a sensação posterior [a uma tragédia] é terrível, horrível, triste e devastadora, mas há também um sentimento de camaradagem. Uma sensação de que vocês estão juntos nesta, de que passarão por isto juntos. Acho que isto influenciou muito a forma como escrevo Gotham. A sensação de que você pode fazê-la passar por coisas terríveis, mas nunca conseguirá destruir a coragem desta cidade. Por isto é tão divertido escrever, e Batman é o maior exemplo disto.

O gancho da última edição foi Jim Gordon, Batman e Lucius Fox executando um plano mais direto para atacar o Charada. Sei que quando começou, você conversou bastante com Marguerite Bennett sobre charadas e a história das charadas para [desenvolver] o Charada, mas esta última edição trará as charadas para o centro da ação? E isto é algo que você e Greg Capullo esquematizaram no que diz respeito às bombas, a torre e tudo mais?

[Risos] Sim! Isto mesmo. A edição 33 abrirá espaço para charadas. Basicamente, metade da edição é o Batman preso em uma batalha de inteligências com Edward. Ele está num enorme jogo de tabuleiro, e não pode se mover porque cada um daqueles lasers está conectado a uma arma química em um ponto da cidade – a balões metereológicos cheios de gás – e para passar por cada um deles ele tem que responder uma charada corretamente. Gastei muito tempo fazendo as charadas! [Risos] Pedi ajuda pra todos os meus amigos, de Marguerite a Ray Fawkes e Jeff Lemire (leia uma entrevista com ele aqui). Mas estou muito feliz com elas no fim das contas! [Risos] Acho que elas são complicadas e divertidas o bastante, porque é nisto que o Charada acredita, e ele diz isto nesta edição, que a forma mais pura de uma guerra é uma batalha de inteligências. A guerra é isto pra ele; duas mentes estratégicas, pairando sobre um campo de batalha. Ele não entende que boa parte dela vem da coragem, do fervor e da esperteza das pessoas no campo — ele a vê como duas mentes em guerra. Ele enxerga as charadas como a forma mais simples, pura e bruta da guerra, então ele se vê ocupado sobre uma mesa que representa, pra ele, o destino de Gotham. Isto é bem divertido pra mim. Enquanto isto, Lucius [Fox] e Jim [Gordon] tem grandes coisas a fazer, porque a trama é como uma grande hidra [o monstro de várias cabeças da mitologia grega], mas estou feliz com ela.

Sinceramente não poderia estar mais feliz com esta edição. Estou mesmo muito orgulhoso dela e me sentindo aliviado por terminar esta história. Nada do que fiz até hoje me causou tanta ansiedade como ela. Quando eu comecei, eu estava todo empolgado e segui à risca o que havia planejado; depois ocorreram algumas mudanças no meio do caminho, mas em sua maioria, esta é a história que propus, do início ao fim. Vocês verão coisas do início voltarem à tona no final, Gordon e seu sobretudo entre outras coisas. Mas uma vez que a comecei, todo o peso de refazer a origem do Batman em seu aniversário de 75 anos me pegou, e fiquei muito ansioso e deprimido por um tempo, por alguns meses. Eu a escrevi mesmo assim, mas foi bem difícil.

Pra ser totalmente franco, sempre lutei contra isto e tomei medicamentos desde muito jovem. Quando fico muito estressado ou ansioso, fico muito compulsivo. Começo a me preocupar com as coisas sem parar, e não consigo quebrar este ciclo, é quase um complexo obsessivo-compulsivo, e foi muito difícil relaxar e aproveitar o que eu estava fazendo. Das pessoas que me ajudaram, entre elas meu amigo James Tynion, e Mark Doyle, uma das que foram incrivelmente prestativas foi Greg [Capullo]. Conversei muito tempo antes com Greg, porque ele leu os roteiros e a premissa, e ele acreditou cem por cento nela e me ajudou a superar isto. Ele me dizia, “Olha, você vai detonar,” daquele jeito que ele diz essas coisas — ele é como um treinador de luta livre, é incrível! É como sua líder de torcida particular. Pra ele é assim, “Vamos fazer isto, será ótimo, é algo importante pra mim, é importante pra você, então vamos fazer isto!” Então chegar ao final — sei lá, eu sinto este alívio e orgulho incríveis e realmente acredito ser o melhor que eu fiz, esta história e esta saga toda. Sinto que posso respirar melhor e dizer que, não importa o que fizermos com o Batman daqui pra frente, fizemos esta história, e estou muito orgulhoso dela! [Risos] Desculpa, estou dando as respostas mais longas!

Seguindo em frente, sei que você disse que quer guardar segredo de algumas coisas, mas depois de terminar Ano Zero, teremos a edição 34, e ela parece que estabelecerá o cenário para o próximo arco. É este o caso, ou a 34 amarrará pontas de Ano Zero?

Não, a 34 será uma história fechada. Gerry Duggan está fazendo uma nova série chamada Arkham Manor (mais sobre ela aqui), com a qual estou bem ansioso. Parte da ideia para o resto da ano é que precisamos permitir que a linha Batman se reinvente — e com um novo editor, Mark Doyle, um dos meus melhores amigos, estou bem empolgado com os talentos, séries e idéias que ele trouxe. Adoro Mike Marts, e não podia estar mais feliz trabalhando com ele; é só uma visão diferente sob o comando de Mark. O que Mark está tentando fazer é chacoalhar as coisas e arriscar-se com séries que não tentaríamos emplacar se não fosse pelo aniversário de 75 anos do Batman, porque não teria sentido isto de “Vamos tentar um reinício com novas equipes criativas e novas idéias.” Duas das novas séries já foram anunciadas — uma será Gotham Academy de Becky Cloonan, Karl Kerschl Brenden Fletcher. Estive conversando com Becky desde as idéias iniciais para a série, e posso dizer que será incrível. Estou mesmo muito empolgado em inserir personagens jovens e desajustados na continuidade de Gotham.

E em segundo lugar temos Arkham Manor, que faz parte da continuidade, e deriva de eventos de Batman Eternal, em que a Mansão Wayne é basicamente retomada pelo estado, e por não terem nenhum lugar pra enfiarem todos estes — [O relações públicas da DC interrompe: “Não entregue tudo!” Snyder ri] Basicamente eles têm que usar a Mansão Wayne como o [Asilo] Arkham, enquanto reconstroem o Arkham, porque ela é fora da cidade e é o maior lugar que eles têm. É incrivelmente divertido e Gerry Duggan é um ótimo amigo; parte da ideia foi fazer uma edição [de Batman] em que pudéssemos co-escrever e usar um de nossos amigos, Matteo Scalera, que simplesmente adorou. Estivemos juntos numa convenção na Irlanda, e adorei o trabalho dele em Black Science [leia uma resenha das 5 primeiras edições da série aqui]. Isto foi pra eu fazer uma edição que me permitisse escrever uma pequena história de detetive! Algo como, “Vamos fazer uma história fechada com Leslie Thompkins e um novo assassino!” [Risos] É Batman como um detetive entre dois arcos enormes.

O próximo [arco] terá apenas seis edições, por isto não irá durar um ano, não como Ano Zero, mas definitivamente será nosso arco mais físico e loucamente colorido até aqui. [A edição 34] foi uma chance de eu tomar um fôlego. Ela te encaminha para série Arkham Manor, e aborda, basicamente, todas as coisas que vêm acontecendo em Eternal até agora. Então se você quer um pouco de continuidade — onde está a Mulher-Gato, o que aconteceu com a Batgirl, o que está havendo com Jim Gordon — todas estas coisas estarão na edição 34. Ela te lembrará de como está a continuidade atual no mundo do Batman.

Batman: Ano Zero termina em Batman #33, que sai dia 23 de julho lá fora.

Vale lembrar também que Scott Snyder é um dos convidados que virão para a Comic Con Experience, que ocorrerá em São Paulo entre os dias 4 e 7 de dezembro (saiba mais detalhes sobre o evento aqui, e em seu site oficial).

Fonte: CBR

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