[QUADRINHOS] Bom de Briga: O Garoto do Trovão de Paul Pope (resenha)

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Arcopolis é uma cidade num constante estado de sítio. Durante o dia há o risco de ser atacada por monstros gigantes, à noite criaturas terríveis saem da escuridão. Haggard West era o único herói que enfrentava todos eles, mas agora está morto. Porém, sua ausência dura pouco tempo, pois logo surge Bom de Briga, que pode ser a solução para os apuros de Arcopolis. Ou será que não?

Eis a premissa de Bom de Briga, graphic novel escrita e desenhada por Paul Pope, sucesso de crítica em 2013 nos Estados Unidos, que chegou em junho no Brasil publicada pelo selo Quadrinhos na Cia, da Companhia das Letras. E uma boa pergunta pra começar esta resenha é: todo o hype em torno dela está certo? À qual respondo com um sonoro “SIM!!” seguido de um “TOTALMENTE!!!”

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Pra começar, Pope não economiza sua “munição artística e criativa”, e já abre a história com 24 páginas que apresentam uma longa, tensa e eletrizante sequência de ação na qual somos introduzidos à ameaça da gangue de Sadisto (referência a Mephisto?), principal vilão de Bom de Briga, e a Haggard West, grande e respeitado herói de Arcopolis – uma mistura de Rocketeer com Batman (seu nome é uma clara homenagem a Adam West) – , em sua última e fatídica atuação.

A arte de Pope, logo nestas páginas iniciais, já prepara o leitor para uma trama regada de muita ação, e poucas linhas retas e “redondinhas”. Seu traço é “elástico” e “nervoso” para transmitir o frenesi das lutas, a velocidade e amplitude de manobras aéreas, o impacto de tiros e explosões. Seus desenhos são orgânicos, e crepitantes, dão vida aos personagens, que parecem respirar nas páginas, lembrando um pouco o visual das animações da MTV dos anos ’90. É possível ainda enxergar em sua arte influência de artistas como Geoff Darrow, Moebius e Jack Kirby.

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Além dos desenhos muito cinéticos, Pope ainda os complementa com o uso de onomatopeias, algo que ele faz como poucos artistas ocidentais conseguem, e que indica uma forte influência de mangás em seu trabalho. Em Bom de Briga elas dão uma presença muito visceral e quase física à cacofonia de sons das muitas batalhas que ocorrem durante a história.

Mas não é só ação bem desenhada que você encontrará em Bom de Briga. A história é um verdadeiro caldeirão de referências, que Pope provavelmente reuniu ao longo de toda a sua carreira, e buscou uma forma de amarrá-las numa só história. Por exemplo, a cidade flutuante onde vive o pai de Bom de Briga lembra uma mistura de Asgard (a versão da Marvel), Nova Gênese (lar dos Novos Deuses da DC Comics) e o Templo Sagrado de Kami Sama (do mangá/anime Dragon Ball). E no mesmo trecho em que somos apresentados a este cenário fantástico, descobrimos que a Terra já recebeu o auxílio de outros deuses, o que pode ser tanto uma referência a outras mitologias, como a nórdica (mais óbvia, pela aparência do pai de Bom de Briga, que é claramente um análogo de Thor, o Deus do Trovão), ou mesmo aos super-heróis modernos.

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Há ainda referências sutis a monstros clássicos da cultura pop, como Nosferatu e Frankenstein, e aos kaijus, os famosos monstros gigantes japoneses.

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Visualmente Bom de Briga parece uma versão de Billy Batson (até a aliteração é a mesma), alter ego do Capitão Marvel da DC Comics (recentemente rebatizado de Shazam por questões legais), usando a capa do Thor. Talvez uma forma discreta de sugerir que ele é a manifestação mais contemporânea/super-heroica dos deuses antigos, que seriam seus “antepassados culturais.”

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Aliás, legado é um tema central em Bom de Briga. Pra começar, o protagonista terá que realizar uma Incursão, que é o correspondente de sua sociedade divina aos ritos de passagem de diversas culturas mortais. A Incursão ocorre no Dia da Virada, quando semideuses deixam de ser crianças e são enviados a alguma das “terras feridas e ensanguentadas” do universo para tornarem-se deuses propriamente ditos.

Já Aurora West, filha do falecido protetor de Arcopolis, tem um nome significativo, já que “aurora” é o período do dia em que o sol nasce, sendo, portanto, um simbolismo para o nascer de uma nova geração de heróis. 

É particularmente inspirada a maneira como Pope retrata o luto de Aurora, e o início de sua carreira como heroína sucessora de seu pai, ao mesmo tempo em que mostra o início da carreira heroica de Bom de Briga. Neste trecho específico, Pope soube transmitir muito bem com sua arte o misto de solidão, silêncio e tédio da filha enlutada dentro da grande mansão onde se refugia dos olhos do mundo. É quase como se tivéssemos a chance de observar o dia-a-dia do processamento psicológico vivenciado por Bruce Wayne nos dias imediatamente posteriores à morte de seus pais. Tudo soa bem plausível pela maneira como isto é narrado visualmente por Pope.

O que o autor parece fazer em Bom de Briga é sintetizar em pouco mais de 200 páginas o fim da era dos vigilantes mascarados e início da era dos heróis com super-poderes, os superdeuses.

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Mesmo que não ganhe tanto destaque na trama, fica subentendido que o poder de Bom de Briga, inicialmente, provém de seu vestuário. Suas camisetas invocam o poder de “totens animais”, o que os torna bem parecidos com os poderes do Homem-Animal da DC, ou, talvez mais parecido ainda, com Ben 10 (basta trocar o relógio alienígena pelas camisetas). Mas em Bom de Briga a abordagem é ligeiramente diferente, e sugere discretamente que seu poder vem da aparência, do que ele exibe superficialmente para o mundo. E conforme a história avança, o garoto descobre que esse poder superficial não será o suficiente pra encarar os desafios que Arcopolis lhe reserva. Ou seja, é o velho tema de que o verdadeiro poder vem de nosso interior, apresentado, literalmente, com uma nova roupagem. Isto é até demonstrado quando Bom de Briga usa os animais totêmicos de suas camisetas como conselheiros ou guias espirituais, ao invés de meras fontes de poder bruto.

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O texto de Pope flui com naturalidade na excelente tradução de Daniel Pellizzari, o que combina com a maneira quase trivial com que os personagens do universo concebido para a graphic novel encaram a realidade fantástica na qual vivem. 

O único ponto negativo de Bom de Briga é que a história termina sem nenhuma pretensão de concluir o que começou, deixando muito claro que haverá uma continuação, que até o momento não foi produzida, mas já está nos planos do autor. Mas de maneira alguma isto desmerece todas as qualidades que fazem dela uma leitura obrigatória para apreciadores da 9ª arte. No que diz respeito ao emprego das possibilidades oferecidas pelo meio, Paul Pope o faz de maneira exemplar e admirável, mas, acima de tudo, muito divertida e empolgante.

Nota 10

Bom-De-Briga-Paul-Pope-Quadrinhos-na-CiaBom de Briga
Título original: Battling Boy
Tradução: Daniel Pellizzari
Roteiro e arte: Paul Pope
Editora: Companhia das Letras
Número de páginas: 208
Formato: 15.50 x 21.60 cm
Acabamento: Brochura
Selo: Quadrinhos na Cia
Lançamento: 13/06/2014

Onde comprar: site da Companhia das Letras.

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