[QUADRINHOS] O Superman de Grant Morrison – Parte 5: O Homem de Aço versus O Demônio da 5ª Dimensão

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Como vimos na parte 4 desta matéria, Grant Morrison cercou o Superman de vilões dos mais variados níveis de poder. Porém, nenhum deles deu tanto trabalho quanto um sujeito pequeno, que nas histórias iniciais de Action Comics apareceu muito pouco, tornando-se cada vez mais presente conforme o autor ia revelando seu plano mestre. O Homenzinho revelou-se uma ameaça maior do que se suspeitava e a mente por trás da maioria dos problemas enfrentados pelo Homem de Aço do início de sua carreira até o presente. Por isto a última parte da matéria é totalmente dedicada aos embates entre o Último Filho de Krypton, e o Demônio da 5ª Dimensão.

Perdeu as partes anteriores? Você pode lê-las nos links abaixo (é de graça!):

Parte 1: O Homem e O Super-Homem
Parte 2: Krypton, Kryptonianos e Kryptonices
 Parte 3: Amigos, Super-Amigos, Pais Bondosos e um Super-Cão
Parte 4: Inimigos Meus

Vyndktvx, o Homenzinho

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Grant Morrison trabalhou em Action Comics com uma idéia semelhante à usada em sua fase com o Batman: criar uma ameaça definitiva para o Superman enfrentar. O próprio autor já confessou diversas vezes que tem esta tendência e obsessão por encontrar/criar inimigos que deixam os heróis com quem trabalha no limite de suas forças, e obrigados a usar ao máximo suas capacidades físicas, psicológicas, intelectuais e morais. Se nas histórias que escreveu do Batman tivemos primeiro o Dr. Hurt e a Mão Negra, seguidos de Darkseid – durante a saga Crise Final – e por fim a organização Leviatã, comandada por Thalia al Ghul (mais detalhes sobre isto no meu artigo “Batman Holístico”, que você pode ler aqui), em Action Comics ele criou o Homenzinho, como foi chamada por muito tempo a figura enigmática que apareceu durante toda a sua fase no título, sempre dando a entender que tinha ligações com os maiores problemas enfrentados pelo herói tanto no passado quanto no presente e futuro.

O Homenzinho na verdade é um ser vingativo da 5ª dimensão, cujo verdadeiro nome é Vyndktvx. Segundo o que a Sra. Nixly conta em Action Comics #15 ele “mexeu num monte de coisas e mudou a forma como deveriam ter sido”, incluindo a morte de Jonathan e Martha Kent. Isto ocorreu porque ele “sempre esteve aqui”, já que, vindo da 5ª dimensão – uma realidade acima das três dimensões do espaço e da 4ª, o tempo – ele tinha pleno acesso a qualquer época e lugar, incluindo outros universos.

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O duelo de Vyndktvx e Mxyzptlk na 5ª Dimensão.

Tudo começou com a rivalidade entre Vyndktvx e Mxyzptlk, ambos correspondentes a mágicos da 5ª dimensão, cujos esforços tinham o objetivo de fazer o rei de seu mundo voltar a sorrir após uma profunda crise de depressão. Apenas Mxyzptlk conseguiu alegrar o rei, o que fez Vyndktvx sentir ódio de seu adversário, e desejar eliminá-lo. Sua sede de vingança o levou a roubar três armas dos espólios do 2º Crono Conflito, guardadas no castelo do rei: o Casaco de Nada (Nothingcoat), o Imaginator e a Multi-Lança de Um Milhão de Pontas. A primeira arma funciona como uma capa de invisibilidade; a segunda, supõe-se, é a arma que serviu de inspiração para o trio formado por Lois, Clark e Jimmy – do universo paralelo visto em Action Comics #9 – criarem a tecnologia que levou ao surgimento do Super-Doomsday (o Superman chega a chamar o Imaginator de “Demônio na Caixa”, em Action Comics #15); já a terceira é a verdadeira forma da Multitude (falei tanto do Super-Doomsday quanto da Multitude na parte 4).

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A origem da Multitude, e do ódio de Vyndktvx pelo Superman.

O ódio de Vyndktvx pelo Superman é explicado em Action Comics #15. Ao tentar matar Mxyzptlk, o vilão confunde o rei da 5ª dimensão com seu adversário – ele estava experimentando o chapéu coco de Mxy – e o atinge fatalmente na cabeça com a Multi-Lança. Como o chapéu de Mxy funciona como um portal de acesso a 333 mundos da 3ª dimensão, onde ele aplicava seus truques para divertir o rei, ao ser atingido pela lança o ataque destrói 230 planetas, enquanto dois, Krypton e Marte, repelem o ataque da lança no universo 3D, ao defender-se de sua manifestação, a Multitude. Em Krypton foi Jor-El o responsável por derrotar a Multitude, enquanto o contra-ataque do Superman em Marte, visto em Action Comics #14, atinge um pico de energia que atinge a Multi-Lança em sua dimensão de origem, ferindo o braço esquerdo de Vyndktvx, e danificando o Casaco de Nada. Pelo regicídio o vilão foi acusado de prisão eterna, o que o fez jurar vingança a todos os envolvidos em sua ruína, incluindo o Superman, cuja vida ele prometeu arruinar completamente. De alguma forma ele escapou de sua prisão, e passou a infernizar a vida do herói, assim como as do Mr. Triple X e da Sra. Nixly, as versões tridimensionais de Mxyzptlk e da Princesa Gsptlnz, respectivamente.

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Vyndktvx revela sua verdadeira face.

No final de Action Comics #14 o Homenzinho revelou sua verdadeira forma ao Superman, e apareceu com a mão queimada, como se houvesse acabado de machucá-la, indicando que foi resultado direto do ataque do Superman contra a Multitude, e que para seres da 5ª dimensão passado, presente e futuro são um só tempo, ocorrendo simultaneamente. O próprio vilão culpa Jor-El e o Superman de tê-lo ferido, pois do ponto de vista dele, tanto o ataque do pai quanto do filho ocorreram ao mesmo tempo, criando a ironia de que, da 5ª dimensão, foi como se os dois tivessem se unido para derrotá-lo, mesmo um estando no passado e outro no presente.

Com o ego mais ferido do que seu braço esquerdo, o Homenzinho deu início a uma série de ataques diretos e indiretos contra o Superman ao longo de sua vida. O “primeiro”, apresentado em Action Comics #1, foi a bomba do atentado contra o trem-bala em que estavam Lois Lane e Jimmy Olsen – encomendado por Glen Glenmorgan – não foi exatamente seu primeiro golpe contra o Superman. Mas é necessário analisar sua importância.

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Na ocasião do atentado, o Homenzinho informou para Lex Luthor a hora exata em que a explosão ocorreria, além de fornecer informações sobre a negligência envolvida na construção do trem, e todo o esquema da queima de arquivo que seria encoberta durante o atentado (no trem estava um ex-capanga de Glenmorgan, de quem Lois e Jimmy pretendiam retirar informações sobre os negócios escusos de seu antigo chefe), e do seguro que Glenmorgan receberia após a tragédia. Tudo isto levou o Superman a sofrer sua primeira derrota, quando foi atingido pelo trem-bala (uma brincadeira de Grant Morrison com o fato do herói ser considerado à prova de balas), e no final forneceu a Clark Kent o material que usou para expôr os crimes de Glenmorgan, que por sua vez serviu para acabar com sua influência sobre a indústria de Metrópolis, abrindo espaço para a ascensão de Lex Luthor, que no futuro se tornaria um dos maiores inimigos do Homem de Aço. Por trás de tudo isto estava o Homenzinho, jogando um complexo jogo de xadrez com vidas humanas.

homenzinho3A primeira pista sobre a verdadeira natureza do Homenzinho surgiu em Action Comics #7, quando ele apareceu como bartender do hotel de Glenmorgan, onde Lois, Jimmy e Lex se refugiaram enquanto Metrópolis foi encolhida e mantida dentro de um domo na nave do Colecionador de Mundos (sobre o qual falei bastante na parte 4). Em retrospecto faz sentido que ele esteja ali, pois descobrimos mais tarde que ele é o responsável pela ameaça que pode destruir a Terra, a Multitude. Já em Action Comics #8, Gleenmorgan descobriu que, fora ele, mais ninguém era capaz de enxergar o Homenzinho no bar, um provável resultado do pacto faustiano que o empresário fez com o ser pentadimensional. Nesta mesma edição Glenmorgan diz que sua riqueza veio do acordo que fez com o Homenzinho, que ele chama de “Diabo”.

action_comics_9_09Outra participação do Homenzinho é como o empresário responsável por comprar os direitos da marca Superman no universo paralelo visto em Action Comics #9. É graças a esta jogada que ele perverte o herói criado por Lois, Jimmy e Clark daquele universo, transformando-o no Super-Doomsday, que reaparece nas edições finais de Action Comics sob o comando de Morrison.

O Homenzinho também fez um pacto com Lex Luthor para que ele conseguisse criar a Matriz Sinfônica de Transmatéria na Terra 1, conforme ele revela em Action Comics #16, o que o permitiu usar o Super-Doomsday na batalha final contra o Superman.

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Mas o maior feito do Homenzinho foi a criação do Exército Anti-Superman, que desempenhou um papel parecido com as organizações Mão Negra e Leviatã, enfrentadas pelo Batman durante toda a longa passagem de Morrison como escritor do Cavaleiro das Trevas, todas elas concebidas pelo autor com o objetivo de oferecer a seus heróis uma ameaça aparentemente intransponível. A primeira aparição do Exército ocorreu durante o mini-arco apresentado em Action Comics #5 e 6. É nele que surgem os primeiros indícios dos vastos poderes do Homenzinho, quando é dito que a mente por trás do grupo de vilões é um ser capaz de “erguer escudos impenetráveis ao redor de eventos”, protegendo suas incursões no tempo. Já na edição 6, Erik, o transmorfo, dá pistas sobre o final do run de Morrison citando um “céu vermelho sangue” e um “planeta de esqueletos”, ambos cenários vistos em Action Comics #16. Isto sugere que ele já esteve lá, além de indicar que Homenzinho está usando o tempo como armadilha – estabelecendo, com isto, uma semelhança entre o plano dele e o usado por Darkseid contra o Batman em Crise Final.

Action_15_TheGroup_025É a partir da edição 15 que as manipulações temporais de Vyndktvx ficam mais evidentes. Pra começar, a Sra. Nixly explica que a ida do Superman para Marte – apresentada em Action Comics #14 – ocorrerá 2 anos após a conversa que estão tendo naquele momento. O mais curioso é que o Superman diz que consegue se lembrar dela, apesar de ainda não ter acontecido. Este é um dos efeitos dos distúrbios causados por Vyndktvx no tempo. Na mesma edição, enquanto caça o Superman junto com o Exército Anti-Superman no presente, Nimrod diz que o “tempo está se fechando em torno” do herói, enquanto é enfraquecido pela luz do Sol, que agora emite luz vermelha (ao que tudo indica alguém conseguiu mexer nele). E o próprio Homem de Aço, na mesma edição 15, sente o cenário se movendo em torno dele durante sua conversa com Nixly no passado, como se recebesse “refluxos” do futuro em que é caçado pelo exército de Vyndktvx. A confluência de todos estes ataques através do tempo atinge sua culminância no final da edição, quando a potência do golpe do vilão contra o herói multiplica-se, literalmente, através do tempo.

Action_16_TheGroup-013Em Action Comics #16 Vyndktvx aparece em sua verdadeira forma na 5ª dimensão. Surgindo com vários braços, ele se parece com uma aranha colidindo blocos do tempo, usando o chapéu danificado de Mxyzptlk. Na mesma edição, recém chegado de seu confronto com a Multitude em Marte, o Superman consegue, de alguma forma, sentir as colisões de dias e anos provocadas por Vyndktvx. Toda esta idéia lembra muito o final da mini-série O Retorno de Bruce Wayne (publicada no Brasil em A Sombra do Batman #11 a 16), quando Batman encontra Darkseid comprimido no meio dos destroços de muitos tempos.

2013-02-20 08-22-58 - Action comics 17-011A influência de Vyndktvx sobre o tempo foi explicada com mais clareza em Action Comics #17. Ele usou magia isomórfica para provocar a “queda” de Glen Glenmorgan e o acidente que matou os Kent em posse de objetos pessoais deles: a gravata de Glenmorgan e o lenço de pescoço de Jonathan. O vilão planejava fazer o mesmo roubando a capa do Superman, mas um menino passou na sua frente, conforme foi revelado em Action Comics #0. Este acontecimento, imprevisto em seus planos, o fez criar Exército Anti-Superman, que foi a forma encontrada por Vyndktvx para usar seres da 3ª dimensão como seus braços, pernas e olhos extras, a fim de cobrir um terreno maior com seus ataques contra o herói. Graças à natureza de seus poderes, o vilão recrutou todos os seus soldados simultaneamente, embora na 3ª dimensão os recrutamentos pareçam ter ocorrido em momentos diferentes.

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A Legião dos Super-Heróis contra o Exército Anti-Superman

A Legião dos Super-Heróis ou, para ser mais preciso, o trio de legionários formado por Satúrnia, Homem-Relâmpago e Homem-Cósmico (Saturn Woman, Lightning Man e Cosmic Man no original – não sei quais as traduções oficiais no Brasil) vindo do século 30 funciona ao longo do run de Morrison como guias do herói através do tempo, ajudando-o a se preparar para seu confronto final contra Vyndktvx. Na verdade a intenção deles era impedir os muitos planos que o vilão pôs em prática, mas acabaram chegando tarde demais pra impedir a maioria deles. Eles não conseguem, pra começar, prever o momento exato em que o Superman foi atingido pela bala que se teleportou diretamente pra dentro de seu cérebro, carregando em seu interior um Espaço Tesseract, e dentro dele o Exército Anti-Superman, conforme visto nas edições 5 e 6. A Legião recrutou o Superman para viajar até o passado logo após ser atingido pela bala, sendo, portanto, responsável por levar o grupo de vilões para dentro da primeira Fortaleza da Solidão, a espacial, onde estava a Cápsula de Fuga (falei bastante dela na parte 2), dando ao Exército acesso à kryptonita presente no núcleo de alimentação da nave. Apesar de impedir a primeira tentativa do Exército matar o Superman (eles quase o envenenaram mortalmente liberando a radiação da kryptonita dentro de seu cérebro), a Legião foi incapaz de impedir que o grupo de vilões se apossasse de vários fragmentos do mineral radioativo.

Foi depois da missão ao passado que o trio de legionários desencanaram de impedir ataques, digamos, menores de Vyndktvx, e concentraram-se na missão de guiar o Superman até locais do tempo e do espaço em que ele teria acesso a novas informações sobre o ser pentadimensional, que se provariam essenciais para ele encontrar um meio de derrotá-lo. Por exemplo, após o primeiro confronto do herói com Doutor Xa-Du, ocorrido meses depois da viagem ao passado que ele fez com os legionários, o Homem de Aço foi novamente contatado por eles. Neste ponto ele já sabia a identidade de Vyndktvx, e sentia com mais clareza sua aproximação (provavelmente devido ao aumento de sua percepção e de seus poderes). Na ocasião, Satúrnia deu ao herói a dica para ele ir a Marte logo em seguida, a fim de realizar a missão vista na edição 14 (quando ele derrotou a Multitude e viu a verdadeira forma de Vyndktvx pela primeira vez).

No início de Action Comics #16 foi revelado o motivo por quê a Legião tentou ajudar o Superman: a morte do herói seria o evento catalizador de uma era sombria em seu futuro (mais detalhes sobre isto na parte 3 desta série, no texto sobre a Legião).

AS “MORTES” DO SUPERMAN

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Um dos fatos da cronologia pré-reboot do Universo DC que foi preservado na atual foi a morte do Superman. Citada sem entrar em detalhes na primeira edição de Monstro do Pântano (Swamp Thing #1), a editora preferiu deixar nas mãos de Grant Morrison definir as circunstâncias exatas em que ela ocorreu.

O pouco que foi dito sobre sua morte veio de uma conversa entre Lois Lane e Jimmy Olsen, ocorrida em Action Comics #16. Os dois são bem vagos com relação à identidade daquele/daquilo que o matou. Lois refere-se ao dia fatídico como o “Doomsday” (Juízo Final, ou Dia do Julgamento, dependendo da tradução), que é nada menos que o nome original do vilão Apocalipse, o monstro que matou o Superman na primeira e mais conhecida versão da história. E ela também diz que o herói derrotou o “cara mau”, voltou dos mortos e reconstruiu a cidade.

Mas talvez um dos detalhes mais curiosos seja com relação ao clima daquele dia. É dito que no dia da morte do Superman, ocorrida 3 anos atrás, o céu ficou vermelho, caiu uma chuva negra e o centro da cidade ficou em ruínas. Pra quem não sabe, céu vermelho no Universo DC pré-reboot tinha relação com Crises do Multiverso, pois é a cor da Sangria, o espaço interdimensional que separa um universo do outro, e é descrito como o “sistema circulatório” do Multiverso. Porém, durante o arco final de Morrison em Action Comics é revelado que a coloração vermelha está ligada a algo que o Exército Anti-Superman fez com o Sol, que passou a emitir luz vermelha ao invés da amarela.

Apesar de Morrison não ter deixado isto claro, há alguns indícios de que a primeira morte do Superman ocorreu no mesmo dia que a segunda! Confuso? Calma que vou tentar explicar: graças à bagunça temporal causada por Vyndktvx, que, segundo o próprio Superman, começou a colidir “blocos de tempo”, isto pode ter provocado um “erro de percepção temporal” a seres da 3ª dimensão, fazendo com que eles enxergassem um único evento como dois eventos separados temporalmente.

Action comics 17-005O primeiro indício de que a primeira morte pode ter relação direta com a “segunda” é o principal “soldado” usado por Vyndktvx para atingir fisicamente o Superman: o Super-Doomsday, o Superman assassino visto em Action Comics #9, que o Homenzinho descreve como a Arma Anti-Superman Suprema (figurando outro tema recorrente das HQs do Morrison: o perfeito e extremo oposto do herói). O vilão é claramente uma releitura do assassino do herói na cronologia pré-reboot feita por Morrison. Além disto, no final do arco o Superman desaparece num momento crítico, carregando uma “bomba” prestes a explodir. Se este evento foi visto simultaneamente no presente e no passado, pode ser que quem o viu há 3 anos tenha acreditado que o herói morreu na explosão. Mas, este é um ponto que o autor deixou para os leitores especularem. Analisemos agora o que houve de mais concreto.

Action Comics 18-006Num de seus ataques diretos contra o Superman, usando a Mulher Kryptonita Vermelha, Vyndktvx causou alucinações no herói, que o fizeram acreditar que sua cabeça foi transformada na de um leão, e depois na de uma formiga. Ambas são referências a histórias do personagem produzidas na década de 1950, que segundo a interpretação que Morrison escreveu em seu livro Superdeuses, são todas reflexo de um período em que as histórias em quadrinhos de super-heróis sofreram forte influência das teorias psicanalíticas do inconsciente, em que o herói enfrentava ameaças surreais criadas pelas mentes de escritores que transformavam suas histórias em verdadeiras terapias, convertendo suas ansiedades, temores e desejos reprimidos em transformações bizarras e situações insólitas. Ou seja, neste período da história dos quadrinhos o Superman tornou-se uma vítima do mundo de arquétipos universais de onde originalmente surgiu.

Durante a alucinação gerada pelo beijo da Mulher Kryptonita Vermelha, o Superman conseguiu enxergar as várias facetas usadas por Vyndktvx, respectivamente: Ferlin (antecipando a revelação que vêm algumas páginas depois desta cena), o Mágico (Vyndktvx antes de vir para a 3ª dimensão), o Homenzinho (sua identidade na 3ª dimensão), e o Demônio (o visual adotado para personificar o arquiteto da “morte” do Superman).

Action Comics 18-008Uma das surpresas do final da fase de Morrison é relacionada a Ferlin, filho de Nixly e Mr. Triple X, que se revela uma “borda” danificada de Vyndktvx – ou seja, uma extensão, um “tentáculo” do vilão na 3ª dimensão – quando Satúrnia sonda sua mente e descobre que ela está “dobrada cinco vezes” (indicando que é um ser de 5 dimensões “espremido” num corpo de 3 dimensões). Como os pais do rapaz são seres da 5ª dimensão, encarnados em corpos tridimensionais, eles foram os responsáveis por trazer este “pedaço” do vilão para a Terra. Daí todo o ressentimento e menosprezo que Ferlin sente pelo pai, que ele considera uma fraude.

Além de Ferlin, outros que acabam se mostrando marionetes ou membros tridimensionais nos múltiplos braços de Vyndktvx são os vilões do Exército Anti-Superman, que acabam facilmente derrotados pelos Neo Sapiens comandados pelo Capitão Cometa, quando o demônio da 5ª dimensão já mostrava sinais de que seu esforço em múltiplas dimensões estava causando uma deterioração de seu corpo tridimensional. O Homenzinho aparece cada vez mais decrépito em seus constantes apelos à população mundial, com quem ele tenta fazer um acordo para que ninguém ajude o Superman quando ele pedir ajuda.

COMO DERROTAR UM SER PENTADIMENSIONAL

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A derrota de Vyndktvx foi cuidadosamente montada para ser o clímax da passagem de Grant Morrison por Action Comics, e ao mesmo tempo funcionar como uma celebração de toda a riqueza presente na mitologia do Superman. Todas as subtramas espalhadas por Morrison ao longo das 19 edições que escreveu se amarraram num momento apoteótico. Foi notável, por exemplo, como todos os personagens, mesmo os menos poderosos e participativos, exerceram alguma função importante no último capítulo do autor para Action Comics. Vejamos:

neo_sapiensOs Neo Sapiens promovem uma união de mentes que o Capitão Cometa chama de Configurações de Defesa Planetária Suprema e pressiona ainda mais a consciência de Vyndktvx – já compactada por habitar matéria 3D (“Uma consciência 5-D ainda é uma consciência.” – página 15). O processo assemelha-se ao hipotético evento de um despertar coletivo da consciência da Terra através da conexão direta dos cérebros de todos os seres conscientes do planeta, que funcionariam como seus “neurônios.”

Ao mesmo tempo o Superman descobre a principal fraqueza de Vyndktvx: o vilão ataca somente uma vez, embora em diversos pontos do tempo e do espaço simultaneamente. Ou seja, para Vyndktvx, seu golpe inicial/final é algo que ocorreu uma só vez num só momento condensado, enquanto o Superman teve que enfrentar esse ataque único em seus diversos aspectos em diferentes épocas (sendo a Multitude a metáfora usada por Morrison para exemplificar ao leitor o “mecanismo” de funcionamento deste ataque simultâneo vindo de uma só fonte, de um só momento da 5ª dimensão). Assim, o herói teve tempo de conhecer seu inimigo, elaborando defesas contra seus ataques, e estudando Vyndktvx com base nos relatos de outros seres que o enfrentaram no passado e no futuro, como Jor-El e a Legião dos Super-Heróis. Por isto pouco antes de lançar seu ataque final contra o demônio pentadimensional, o Superman diz: “Para cada um de você… há alguém como eu para revidar.” Isto tudo o ajuda a elaborar um meio de voltar a estratégia de Vyndktvx contra ele, criando uma reação proporcional à ação/ataque do vilão, tirando proveito de uma vantagem estratégica que o próprio Vyndktvx criara para o herói sem perceber, ao conectar sua mente a cada mente viva do planeta.

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Para forçar o vilão a dizer seu nome ao contrário, e com isto ser banido de volta para a 5ª dimensão, o Superman pede que cada pessoa do planeta diga seu nome ao contrário, o que, por ato reflexo, gera uma comoção global (“Palavras 5-D são como trovão.”), que faz o vilão sentir-se compelido a fazer o mesmo (por intermédio de sua borda/membro, que é Ferlin). Ao mesmo tempo a Legião usa a Bolha do Tempo pra acertar Vyndktvx na 4ª dimensão. O efeito disto lembra a famosa Genki Dama de Dragon Ball Z, o ataque em que Goku reunia energia de todos os seres vivos do planeta para derrotar um inimigo mais poderoso que ele. Assim, ocorre “uma batalha pela alma do planeta Terra”, um ataque simultâneo que derrota outro de potência maior, e com isto um mundo inteiro defende seu maior herói e a si próprio. Este é o resultado da Defesa Planetária Suprema acionada pelo Capitão Cometa.

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Diante do que é revelado em Action Comics #18, o grande truque de Mxyzptlk parece ir muito além de jogar uma “torta pentadimensional” na cara de Vyndktvx . Fica subentendido que ele sabia que Vyndktvx usaria seu filho como um conduíte, e por isto o gerou na Terra, para ele ser um dos meios usados pelo Superman para bani-lo da 3ª dimensão de volta para a 5ª. Aparentemente ele queria dar uma lição em seu maior inimigo fazendo-o sofrer sua maior derrota pelas mãos de seu campeão preferido. Assim, Mxy deixou Vyndktvx à vontade para posicionar todas as suas peças num tabuleiro pentadimensional, a fim de armar seu grande plano, apenas pelo prazer de vê-lo ruir em pouco tempo quando a falha “implantada” por Mxy iniciasse a reação em cadeia que o derrotaria.

O que acontece na 5ª dimensão como resultado da derrota de Vyndktvx na 3ª dimensão também é curioso. Ao ser banido de volta para lá, ele se vê exatamente no mesmo instante em que estava após matar o rei, e ter sua mão ferida pelos ataques de Jor-El e do Superman – quando ambos derrotaram a Multitude em diferentes pontos do tempo. Isto faz com que ele seja imediatamente acusado de regicídio e aprisionado por seu crime. É então que surge a segunda maior surpresa do final: tudo se revela o maior truque de Mxyzptlk, que enganou Vyndktvx para que ele matasse o rei, fosse punido, e com isto ele próprio se tornasse o rei. Porém, a estratégia de Mxy acaba tornando-se uma armadilha para ele próprio, pois sua esposa, a rainha, morre após dar à luz um casal de gêmeos, sendo o garoto rejeitado pelo pai, e a menina sua princesa. O rei fica triste após perder a esposa, e fica subentendido que o garoto passará a odiar o pai por ter sido rejeitado. O garoto se tornará Vyndktvx, que anos depois será um mágico ambicioso, enquanto uma parcela de Mxy, formada por lembranças de quem um dia foi, personificará seu passado como trapaceiro. Tudo isto acabará gerando os infinitos ciclos de involução que compõem a vida dos seres pentadimensionais, segundo o conto de fadas kryptoniano que Kal-El escuta, ainda bebê em Krypton, de sua mãe, pouco antes de Jor-El chegar em casa com más notícias sobre o destino do planeta. Na história contada por Lara, ela chama os seres pentadimensionais de archetropes, um neologismo formado com as palavras arche, que significa arquétipo, e tropes, que significa alegoria em inglês. Basicamente o que Morrison está insinuando aqui é que os seres da 5ª dimensão são arquétipos revivendo seus papéis infinitamente.

superman_red_blueUm último gracejo de Morrison à mitologia complexa e cheia de contorcionismos do Superman ocorre nas páginas finais de Action Comics #18, quando o herói conversa pela última vez com a Sra. Nixly, em seu refúgio na 2ª dimensão. Devido às peculiares leis físicas que regem o lugar, o Homem de Aço se divide em duas versões de si mesmo, uma azul e outra vermelha. Esta é claramente uma referência à época em que o nível de poder do Superman aumentou tanto, que ele deixou de ter um corpo formado de matéria, e converteu-se em energia pura, ganhando, com isto, poderes elétricos (curiosamente sua forma energética tinha cabelos). Nesta fase controversa ele era capaz de dividir-se em duas entidades independentes, das cores azul e vermelha.

Encerrando sua fase com uma nota otimista e esperançosa, Grant Morrison revela no final de Action Comics #18 que o Superman deixou com um dos cientistas cuja vida ele salvou em Marte a equação do campo unificado (em Action Comics #14, para derrotar a Multitude, o herói usou seu corpo para unificar a gravidade e o eletromagnetismo, a fim de gerar um campo escalar que alcançasse a ameaça na 5ª dimensão). Segundo o cientista, a equação irá mudar o mundo, assim como a terraformação de Marte, principal objetivo da equipe científica de que faz parte, que criará uma solução para a superpopulação da Terra. Não fosse o Superman, nenhum deles estaria vivo pra dar continuidade ao projeto. Ambas as idéias lembram muito a edição 10 de Grandes Astros Superman, quando o Homem de Aço tenta resolver os principais problemas do mundo antes de morrer, incluindo uma rápida, mas emocionante passagem – talvez uma das mais lembradas de toda a mini-série – em que o herói convence uma garota a desistir de se matar.

CONCLUSÃO (OU “O SINTETIZADOR MORRISON”)

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A combinação em poucas edições de vários elementos e personagens que surgiram originalmente ao longo de décadas ecoa o trabalho de Grant Morrison em Grandes Astros Superman, onde ele também fez uma grande compressão de elementos provenientes de várias fases do personagem. E esta é uma das principais preocupações do autor tanto aqui como em seu trabalho com o Batman. É importante para Morrison destacar as principais “peças” que compõem as ricas e, muitas vezes, contraditórias mitologias que levaram ambos os personagens a se tornarem ícones que se fortaleceram e sobreviveram às variadas abordagens por que passaram no decorrer de suas décadas de existência, os “Melhores do Mundo”, preservando sua essência ao mesmo tempo em que atraiam com sua “gravidade pop-cultural” mais material para enriquecerem-se como uma narrativa gráfica sem fim. Grant Morrison gosta de analisar a validade das idéias que vieram antes no lugar de simplesmente ignorá-las, considerando-as ridículas e absurdas. Assim, para ele, tudo é válido desde que apresentado num contexto em que faça sentido e fortaleça o mundo e as histórias do personagem ampliando seu significado.

Outra característica marcante dos trabalhos de Morrison é a confiança que ele deposita na inteligência de seus leitores. Em vários momentos de sua passagem por Action Comics o autor apresenta o Superman enfrentando um vilão que, cronologicamente, ainda nem foi introduzido, embora o herói dê a entender que eles já se conheciam. A não-linearidade do tempo é um recurso narrativo que Morrison usa com frequência, dando aos leitores a chance de interagirem mais com suas histórias, incentivando-os a desmontarem suas tramas e reordená-las para que encontrem respostas que estiveram lá o tempo todo esperando até que sejam deduzidas a partir de uma análise mais atenta.

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Acima o Esquadrão Superman em Grandes Astros Superman #6, e abaixo a Legião dos Super-Heróis em Action Comics #5

Também tivemos em Action Comics mais uma “conversa” entre este trabalho de Grant Morrison e algumas de suas obras anteriores, mais especificamente Grandes Astros Superman. A premissa que move a edição #6, por exemplo, com o Superman do presente aliando-se à Legião do Super-Heróis, vinda do futuro para salvar seu passado, lembra muito a trama da edição 6 de Grandes Astros Superman (reparem que até o número da edição é o mesmo!), na qual ele se aliava a membros do Esquadrão Superman para derrotar o Cronóvoro, um parasita devorador de anos (!). Lá ele mantinha sua identidade em segredo para interagir com sua versão mais jovem, enquanto em Action Comics esta interação não ocorre – ele apenas entra em sua primeira Fortaleza da Solidão enquanto sua versão passada está fora, resolvendo outra crise (que é revelada apenas na edição 12, constituindo mais uma prova de que Morrison acredita na inteligência de seus leitores).

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Calvin Ellis, o “Super-Obama”: à esquerda em Crise Final #7, e à direita na capa de Action Comics #9

Mais uma prova de que Morrison gosta de retomar idéias e personagens que introduziu em trabalhos anteriores para a DC é o retorno de Calvin Ellis, o Superman negro, em Action Comics #9. O personagem apareceu pela primeira vez na edição 7 da saga Crise Final, e teve o visual baseado em Barack Obama. O detalhe é que esta história foi desconsiderada da cronologia atual do Universo DC, pois é parte da “trilogia” de Crises do Multiverso da editora, histórias que ela considera complexas demais, sob o ponto de vista cronológico, para serem integradas à versão pós-reboot, onde praticamente tudo começou do zero. Ainda assim, Morrison encontrou um meio de trazer o personagem de volta sem desconsiderar o que havia estabelecido anteriormente sobre ele. Foi na mesma edição em que ele apareceu que surgiu o Super-Doomsday, uma das principais armas usadas por Vyndktvx em sua tentativa de matar o Superman.

Ainda falando da edição 9, outra referência que ela faz a uma história anterior ao reboot da DC é a meta-máquina musical que zumbe “em impossíveis frequências oblíquas”. Em Crise Final #7 há a Cornucópia Magnífica, um instrumento capaz de emitir vibrações sonoras que viajam através do Multiverso, para convocar heróis de outros universos. Em Action Comics #9 a máquina serve de portal para que Lois, Jimmy e Clark fuja de um universo para o outro.

Mas talvez a melhor idéia que Grant Morrison teve para o sua passagem por Action Comics seja a de transformar um demônio da 5ª dimensão no principal inimigo do Superman. Somente um ser com tantos poderes e vantagens como ele seria capaz de proporcionar um desafio tão aparentemente intransponível para o maior de todos os super-heróis.

Ataques através do tempo; momentos se condensando num só – o que me fez lembrar do “todos os dias são um só” de O Retorno de Bruce Wayne (mais detalhes sobre isto aqui); a “morte” do Superman ocorrendo como resultado não apenas de um único inimigo superpoderoso, mas um conjunto de inimigos e eventos reunidos e direcionados por um ser de uma dimensão superior com muito ódio dele (algo que remete ao clímax de Crise Final, em que o Monitor rebelde Mandrakk enfrenta heróis de todo o Multiverso invocados para aquele momento único, em que todos recebem sua chance de dar o golpe final no vampiro que ameaça toda a Existência)… Com tudo isto Morrison mostrou mais uma vez que sabe usar os conceitos mais loucos e as idéias mais poderosas, presentes em décadas de cronologia e mitologias conflitantes, e os misturar num evento que se espalhou pelas quatro edições finais de seu run, e fortaleceu o mito, ao jogá-lo contra suas diferentes versões, a fim de observar no que esta mistura resultaria e o que sobraria de sua essência após isto.

Importante também notar o quanto o ataque único de Vyndktvx acabou criando uma dificuldade para ele mesmo, que teve de lidar com todos os tempos simultâneos em que estava atuando. Na página 11 de Action Comics #18 o vilão reclama de quão misturada, espessa e complicada é a massa de tempo e significados que ele tinha que processar para direcionar seus ataques contra o Superman, quando assume o controle do Super-Doomsday. E aí está outra ótima sacada de Morrison, pois um ser vindo de uma dimensão formada de imaginação acaba tendo mais afinidade com um ser que é uma idéia materializada, uma versão corrompida do Superman, da qual ele se apossa após “comprá-la” no universo visto em Action Comics #9. E esta dificuldade enfrentada por Vyndktvx também pode ser interpretada como a maneira que Grant Morrison encontrou de falar de suas próprias dificuldades para amarrar todas as pontas que espalhou na série, com tantos plots colapsando nas últimas edições que escreveu para Action Comics.

Felizmente, apesar de todas as dificuldades, o autor venceu mais este desafio autoimposto ao lado do Superman, enriquecendo seu mito, fortalecendo seu significado, e restabelecendo o respeito de novos e antigos leitores por este “senhor”, que há 75 anos vem salvando o mundo de inúmeras ameaças, sendo a maior delas a falta de ideais elevados e da vontade de realizar o impossível pelo bem da humanidade. Novamente o Superman provou que o “impossível” só existe até o momento que você tenta realizá-lo.

Action Comics 18-029

Um comentário sobre “[QUADRINHOS] O Superman de Grant Morrison – Parte 5: O Homem de Aço versus O Demônio da 5ª Dimensão

  1. impressionante a quantidade de elementos da maçonaria presentes nesta saga. Eu nem sabia dessa fase, incrível, ele se torna dois com um sol no meio, fazendo uma alusão a direita e a esquerda, ou as calunas do templo de salomão Bal e Jaquim. E a mulher kriptonita vermelha ilustra bem a Dama de vermelho da babilonia Ishtar. A tal criatura, segurando olhos na mão, mostra que vê tudo, é o arquiteto, na verdade fica a dúvida de qual dos 2 seriam o arquiteto, quem deles seria Adonay. A mão esquerda pode indicar um indício de que Mxyzptlk seria lúcifer. Sem falar no mais óbvio que é a concepção dos personagens, seus figurinos claramente lembrando os homens distintos que conhecem a verdade da maçonaria illuminati, os agentes do tempo. Mas a imagem que mais escancara e que me arregalou foi a da mulher dizendo algum tipo de verdade, o deus sol no fundo e dois super-homens configurando a força e a designação.

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