[QUADRINHOS] Sandman Overture #2

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Quando foi anunciado em 2012 que J. H. Williams III seria o desenhista de Sandman Overture, a mais do que aguardada volta de Neil Gaiman à sua maior obra, lembro perfeitamente que pensei “não poderiam ter escolhido um desenhista mais adequado”. Quem viu seu trabalho em obras como Promethea de Alan Moore, Sete Soldados da Vitória de Grant Morrison, e, até recentemente, na série Batwoman, que não apenas desenhou como escreveu, tem grandes chances de chegar à conclusão de que o cara nasceu pra desenhar o universo onírico de Sandman. Quando a deslumbrante Sandman Overture #1 foi lançada em outubro do ano passado tal constatação confirmou-se. Mas neste segundo capítulo da minissérie Williams mostrou que aquilo que vimos cinco meses atrás foi só um aquecimento para o que estava por vir.

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Li alguns reviews quando Overture #1 foi lançada que diziam que Gaiman já escreveu histórias melhores em outros arcos da série clássica, e que Williams já foi mais inventivo em trabalhos anteriores. Concordo com ambas as afirmações. Mas com esta edição a dupla provou que pode ir além das expectativas. Neste segundo capítulo Gaiman habilmente demonstrou que o universo criado por ele há 20 anos atrás ainda oferece infinitas possibilidades de expansão, introduzindo novas dimensões e conceitos a uma mitologia que já era muito rica quando ele encerrou a saga de Sonho em 1996.

Mas novamente a grande estrela de Overture é Williams. Aqui ele fez o que já pode ser considerado um dos melhores trabalhos de sua carreira. E se Overture continuar no ritmo que tomou neste segundo capítulo, não é nada difícil que ele se torne o melhor trabalho do artista.

Williams está tão disposto a testar seus próprios limites como artista que, com exceção da primeira e da última página da história, todas as demais são páginas duplas. É como se ele quase não pudesse conter suas ideias numa área tão restrita, e precisasse tirar proveito de cada milímetro que tem à sua disposição. Neste número ele encontra a oportunidade perfeita para testar os limites das inúmeras técnicas de desenho, ilustração e pintura que domina durante toda a sequência que retrata o debate entre dezenas de versões/facetas de Sonho. Uma das páginas que mais se destacam neste trecho da história é a que Williams dispõe dezenas de Sandmen através de um cenário amplo, e sobrepõe à cena central pequenos “takes” de partes dela, ao mesmo tempo que conduz o leitor por um caminho que evita qualquer tipo confusão, levando-nos a flutuar de um balão para o outro com naturalidade, o que prova o enorme talento do artista como contador de histórias. Aliás, não só o ele, mas também o de Neil Gaiman, Dave Stewart e Todd Klein. Raramente se vê uma sintonia tão grande entre texto, desenhos, cores e letras como a deste seguimento da narrativa. Tudo funciona numa harmonia impressionante e arrebatadora:

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Há anos Williams usa uma abordagem holística em suas páginas, aqui mais do que em todos os seus trabalhos anteriores. As formas variáveis dos quadrinhos, por vezes difusas e disformes, retratam partes de uma sequência de acontecimentos, ao mesmo tempo que compõem um quadro maior, que pede uma revisita do leitor ao final da leitura de cada página, para que enxergue a figura maior que ela forma. Isto confere uma fluidez e organicidade à narrativa, que incorpora a constante mutação do onírico ao meio em que a história é contada.

Outro exemplo extasiante do holismo artístico de Williams é a página dupla que apresenta o Sonho do presente explorando uma casa que é a representação visual do estado fragmentado, tortuoso, visceral e perturbador da mente de Mad Hettie. Nela o artista usa a disposição dos personagens dentro de um cenário maior para fragmentar a narrativa, e ao mesmo tempo integrá-la.

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Sandman Overture #2 é sem dúvida um dos mais belos lançamentos deste ano e, arrisco dizer, a história visualmente mais bela de Sandman, feito que dificilmente será superado por qualquer outro quadrinho previsto para sair em 2014. J. H. Williams III já provou mais de uma vez que é um monstro em seu ofício, e é o tipo de artista que me deixa muito orgulhoso e feliz pelo privilégio de acompanhar tamanho talento manifestar-se numa das minhas artes preferidas.

SANDMAN OVERTURE #2
Roteiro de Neil Gaiman, traços e pinturas de J. H. Williams III, cores de Dave Stewart, letras de Todd Klein
[Vertigo, 26 páginas / 2014]

Nota: 10

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